sábado, 3 de agosto de 2013

COTAS RACIAIS EM SÃO PAULO, SIM!



 “É passada a hora de derrubar as cercas desses verdadeiros latifúndios em que se transformaram as universidades públicas paulistas. Não é possível aceitar que instituições que tanto custam aos cofres públicos, permaneçam servindo apenas a uma pequena camada da população e fortalecendo a cultura do privilégio branco e do racismo em nosso estado.”
DSCF4032Nesta última quinta-feira, dia 1 de agosto, a Frente Pró Cotas Raciais de São Paulo, espaço de articulação que reúne os movimentos negros paulistas, movimentos sociais, estudantis e sindicais comprometidos com o combate ao racismo lançaram oficialmente a Campanha Estadual de Coleta de Assinaturas para o Projeto de Iniciativa Popular de Cotas Raciais e Sociais nas Universidades Públicas Paulistas. A cerimônia, com caráter de ATO político, aconteceu na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco no centro de São Paulo, e reuniu cerca de 150 lideranças, ativistas e estudantes.
A proposta defendida pelos movimentos foi construída após dois meses de longos debates de um grupo de trabalho formado por representantes dos movimentos negros e sociais, incumbido da tarefa de reformular o texto do PL 530/04 que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo – Alesp. De acordo com o novo texto, as universidades públicas devem garantir 55% de Cotas, sendo elas assim divididas:25% para candidatos autodeclarados negros e indígenas; 25% para candidatos oriundos da rede pública de ensino, sendo que deste percentual, 12,5% reservado para estudantes cuja renda familiar per capta seja igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo; e 5% para candidatos com deficiência, nos termos da legislação em vigor.
A meta inicial da campanha é reunir 200 mil assinaturas até o mês de Novembro deste ano, quando durante as comemorações do Mês da Consciência Negra, pretende-se protocolar junto à Alesp a proposta com a força política e o apoio formal destes 200 mil eleitores paulistas.
Histórico
O atraso em relação a questões sociais e o viés conservador e elitista de seus governos, parece sem dúvida a marca registrada do Estado de São Paulo. Após a participação do Brasil na Conferência Internacional Contra o Racismo em Durban, no ano de 2001, apenas em 2006 uma das universidades públicas paulistas reagiu à necessidade da adesão a políticas de acesso, ainda que timidamente.
Naquele ano a USP aprovou, sob protestos do movimento negro e social, um plano de bonificação para estudantes de escolas públicas em seus vestibulares, batizado como INCLUSP –  Programa de Inclusão da USP, iniciativa insuficiente segundo os movimentos, para garantir o acesso de negros naquele espaço. Com o passar dos anos a tese foi confirmada. Números divulgados em 2011 demonstraram, por exemplo, que entre 2007 e 2011, apenas 12 estudantes pretos haviam acessado o curso de medicina da USP! (1)
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A partir daí, a luta por Cotas Raciais se intensificou no Estado. Unicamp e Unesp, cada qual a sua maneira, iniciaram programas tão tímidos quanto o da USP. O posicionamento das reitorias destas instituições, bem como a dos governos do PSDB, sempre foram radicalmente contrários às Cotas Raciais nestas Universidades, na contramão do que se desenvolveu pelo restante do país.
Com o avanço das políticas de Cotas pelo Brasil afora e seus incontestáveis resultados, e apesar do embate travado pelas elites brasileiras que colocaram seu aparato de comunicação a serviço de combate-las (2), em Abril de 2012 o STF declarou sua constitucionalidade quando já àquela altura cerca de uma centena de universidades públicas brasileiras haviam experimentado algum tipo de iniciativa inclusiva.
Com o ânimo renovado pelo resultado unânime do STF a favor das Cotas Raciais e fortalecidos pela aprovação da Lei que instituiu Cotas Raciais nas Universidades Federais, organizações negras e sociais articularam a formação da FRENTE PRÓ COTAS RACIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO.(3)
Surgiram então iniciativas importantes de pressão aos deputados estaduais no sentido da aprovação do PL 530/2004, a mais antiga e representativa proposta de Cotas que tramita ainda hoje na ALESP. Foram promovidas audiências públicas, dezenas de debates em universidades, escolas e associações, bem como uma infinidade de protestos e Atos.(4)
Ainda em Maio/12, a partir da adesão de professores uspianos à Frente Pró Cotas, com destaque para o Professor de Direito Dr. Marcus Orione, a Faculdade de Direito da USP aprovou, em seu Conselho Geral, a orientação para que a USP aprovasse Cotas Raciais; Em Junho/12 representantes da Frente Pró Cotas Raciais promoveram intervenção e exigiram do Colégio de Líderes da Alesp que aprovassem o PL de Cotas Raciais nas Universidades Públicas de Sao Paulo. (5)(6)
Nas semanas seguintes, em reunião do Conselho Universitário na USP, com a presença de representantes da Frente Pró-Cotas Raciais, fora debatida a necessidade de adoção às Cotas Raciais e encaminhada as intenções daquele conselho em instituir um grupo de estudos com participação da sociedade civil, para a apresentação de uma proposta de Cotas Raciais para a USP.(7)(8)
Setembro, Outubro e Novembro de 2012 foram marcados pela agenda eleitoral e pela onda de violência que assustou São Paulo. Os movimentos negros voltaram suas atenções às chacinas e ao assassinato indiscriminado de jovens negros pelas milícias e, enquanto se promovia protestos e denúncias do governo Alckmin, a popularidade do governador era profundamente abalada.
Como resposta, Alckmin lança no final de Novembro e início de Dezembro uma agenda positiva que reuniu inauguração de postos de alimentação e viagens a cidades do interior. É nesse contexto que surge a proposta do PIMESP – Plano de Inclusão com Mérito para as Universidades Públicas de São Paulo.
Em resumo, esse plano não previa a garantia de acesso, mas apenas um conjunto de ações que incluía os já existentes – e ineficazes – programas de bonificação presentes nas três universidades, somadas à ideia do “College”, esse dirigido apenas aos cotistas de menor média no vestibular. Tal proposta previa a criação de um curso de “fortalecimento pedagógico e acadêmico” à distância, o que na prática reforçaria a discriminação, isolando os alunos da convivência no ambiente universitário. Após dois anos, desde que atingissem metas de notas, aí então teriam chance de acessar algum curso dessas universidades.
481243_461697247192275_326242249_nO Movimento Negro reagiu. A Frente Pró Cotas organizou um Manifesto Contra o Pimesp e a favor de Cotas Raciais, que reuniu centenas de adesões de personalidades e instituições. (9)
Após a realização de intensas mobilizações, fora instituído o grupo de trabalho que reformulou o texto do projeto de lei que voltou a tramitar na Alesp e que, sobretudo, é o objeto da campanha lançada neste 1 de Agosto. (10)(11)(12)
Muito embora a Unesp tenha aderido ao Pimesp e Unicamp até o momento não tenha o confirmado, na USP o PIMESP foi derrotado e substituído por uma reforma no velho Inclusp, com a criação de um bônus de 5% para estudantes negros oriundos de escolas públicas. Mais uma maquiagem inaceitável que em nada garante o acesso de estudantes negros nos bancos universitários. (13)
É passada a hora de derrubar as cercas desses verdadeiros latifúndios em que se transformaram as universidades públicas paulistas. Não é possível aceitar que instituições que tanto custam aos cofres públicos, permaneçam servindo apenas a uma pequena camada da população e fortalecendo a cultura do privilégio branco e do racismo em nosso estado.
Acesse o site da UNEafro-Brasil, saiba mais detalhes, baixe os documentos e participe da campanha!
*Douglas Belchior é professor de História e integrante da UNEafro Brasil
Links – Fontes:
(10) PLENÁRIA DA FRENTE PRO COTAS: Fonte 1 – Fonte 2

Um comentário:

Anônimo disse...

Como é que uma pessoa que luta contra o racismo como você pode defender cotas "raciais"? Você não é negro, você é mulato, assim como eu. A diferença entre nós é que você é um pouco mais escuro, e dá muito valor a conceito de raça, que eu acho que não deve ser base para nada, senão é discriminação. Universidade é para poucos? Sim, sempre vai ser, não seja hipócrita. Mas, se é assim, que o critério seja justo, merecimento, e não uma pretensa raça, que não existe. Ou você é mais negro do que eu?