terça-feira, 28 de julho de 2009

A luta contra o racismo como forma de combate ao capitalismo
Por Douglas Belchior
“Racismo e capitalismo são faces da mesma moeda” (Steve Biko)

A sociedade brasileira vive, por mais de cinco séculos, uma experiência muito peculiar de formação. A existência prática da “luta de classes” inundou todo o continente e, em especial no Brasil, alimentou-se de um regime escravocrata que durou mais de 350 anos. A formalização do fim do regime de escravidão em 1888 tornou o Brasil o último país do mundo a substituir o trabalho escravo pela mão-de-obra livre. Essa mudança tardia, quando a própria escravidão moderna já era um anacronismo absurdo, marcou profundamente a estrutura da sociedade brasileira, deixando em sua formação social marcas, vícios e restos que nos atingem ainda hoje. Sua permanente influência negativa (nos níveis econômicos e ideológicos) moldou o comportamento de grandes camadas da sociedade brasileira, especialmente aquela ocupante do aparelho de dominação política.

Durante o século XIX, ainda sob a égide do escravismo e sua organização social, o Brasil se moderniza e inicia sua 1ª fase de industrialização. Este processo está ainda ligado às formas não-capitalistas de produção. Toda a riqueza gerada a partir do trabalho escravo de africanas/os e seus descendentes somados aos lucros do mercado de compra e venda de seres humanos negros garantiram o excedente necessário ao surgimento de uma burguesia agrário-industrial e da moderna sociedade de classes no Brasil.

O Brasil tornou-se Independente sem abolir o trabalho escravo e aboliu a escravidão ao mesmo tempo em que manteve o latifúndio. Este misto de avanço e atraso, de modernização e retrocesso comprometeu de maneira irreversível o desenvolvimento do país. Desde as vésperas da inevitável abolição até cerca de três décadas seguintes, as elites deste país (que se tornariam elites republicanas) investiram macicamente numa política de “embranquecimento” da população brasileira, por meio do estímulo e financiamento das imigrações européias. O ideário colonial justificador da escravidão encontra, então – na nova sociedade de classes tupiniquim, fundamentos a partir de teorias científicas racistas de origem européia que, por sua vez, tornaram-se hegemônicas nas academias, universidades e no meio do poder político entre finais do século XIX até a década de 1930.

Esse processo condenou de uma vez por todas a população africana e seus descendentes à barbárie. O racismo presente nas relações sociais fortaleceu estereótipos, preconceitos e um estado de discriminação permanente e praticamente irreversível nestes 121 anos de pós-abolição.

O capitalismo brasileiro e suas políticas universalizantes, justificadas pelo discurso liberal de igualdade e liberdade não foi capaz de diminuir o abismo social que separa brancos e não-brancos em nosso país. Ao contrário, o ideário da democracia racial, das relações paternais e conciliatórias e da égide da miscigenação - apadrinhado por Gilberto Freire nos anos 30, contribuiu para a escamoteação do debate racial. E não por acaso uma vez que, ao adotar a democracia racial como elemento fundamental das relações sociais num país de herança escravocrata tão peculiar, anula-se a leitura de conflito de classe presentes na gênese da formação da sociedade brasileira: senhor branco versus escrava/o negra/o.

Com o fim da escravidão, o advento da república, da industrialização e do trabalho livre o conflito de classes é travestido em modernos binômios tais como “burguês versus proletariado”; “patrão versus operário”; “latifundiário versus camponês”. Hoje, mais do que nunca, a partir da estrutura de dominação imposta, é necessário reconhecer especificidades de demandas de novas lutas. Assumir outros binômios e conflitos existentes em nossa sociedade potencializa a luta classista: “brancos versus negras/os”; “homens versus mulheres”; “heterossexuais versus homossexuais”; “sulistas versus nordestinos”.

ESCOLHEMOS LUTAR CONTRA O RACISMO

O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em estudo especial comemorativo aos 120 anos da abolição da escravidão, divulgou que a partir de 2010 a população brasileira voltará a ser composta por uma maioria absoluta de negras e negros. Ainda de acordo com o IPEA, essa população majoritária só conseguirá equiparar a renda média da população branca no ano de 2040. Isso se permanecerem as políticas públicas de ação afirmativa atualmente em vigor. Hoje, negras/os recebem em média 53% da renda dos brancos. A taxa de desemprego entre negras/os é de 9,3% enquanto que a de brancas/os é de 7,5%. Nos setores com menor remuneração a maioria das/os trabalhadoras/es é negra, caso da agricultura (60,3%), construção civil (57,9%) e serviços domésticos (59,1%). A presença de negras/os em cargos de nível executivo é de apenas 3,5%, segundo pesquisa do Ibope/Ethos. A situação das mulheres é ainda pior, uma vez que sofrem duplo preconceito: mulheres negras ocupam menos de 0,5% de cargos executivos.
A cada dia pesquisas confirmam a importância do racismo, do preconceito e da discriminação contra negras e negros na divisão de classes no Brasil. Segundo o IPEa, 10% dos mais ricos detêm 75% da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, a pesquisa “Retrato das Desigualdades”, também do IPEA em conjunto com a Unifem, mostra que dos 10% mais pobres, 71% são negras/os. Há 33 anos, 5% dos brancos concluíam o ciclo de educação superior. Já os formados negro/as não passavam de 0,5%. Em 2006 cerca de 5% do negro/as formava-se em cursos superiores. No entanto, mantendo o fosso, 18% dos brancos atingiam essa mesma formação.
Ainda mais recente são os dados assustadores de um estudo promovido pela UERJ em parceria com a UNICEF, dando conta de que no período entre 2006 e 2013, 33.504 adolescentes brasileiros serão assassinados, sendo que deste total, uma maioria absoluta de negros. O estudo também indica que, entre os homens, a probabilidade de uma morte por homicídio é 12 vezes maior do que entre as mulheres. Já a probabilidade de que um negro seja assassinado é duas vezes maior do que um branco, de acordo com o levantamento. A maior diferença foi constatada na cidade de Rio Verde (GO), onde a chance de um adolescente negro ser morto é 40 vezes maior.

UNEAFRO – UMA ALTERNATIVA DE LUTA NEGRA, COMBATIVA E SOCIALISTA

UNEafro Brasil - União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora, se apresenta como uma organização do movimento social negro, com consciência de classe e que agrega militantes da causa negra, da luta anti–racista, da causa das mulheres, da diversidade sexual e do combate a todos os tipos de discriminação e preconceito. O trabalho político parte da reflexão de que a luta contra o racismo, o preconceito e todas as formas de discriminação não anula a luta contra a concentração de renda, de poder e oportunidades. Ao contrário, elas se somam na busca de uma sociedade livre de injustiças sociais. Para combater o capitalismo, escolhemos lutar contra o racismo, usando como tática a ação comunitária através da organização de núcleos de base em forma cursinhos dirigidos à vestibulares públicos, concursos e Enem, artes, cultura e esportes, além da defesa tática das ações afirmativas para negras/os e trabalhadoras/es. Hoje a UNEafro se organiza em 42 núcleos, espalhados por 14 cidades do Estado de São Paulo.

Uma marca do movimento social dos cursinhos comunitários e da UNEAFRO são as aulas de “Cultura e Formação Política”. O foco didático-pedagógico desta disciplina, baseado na abordagem transversal de conteúdos sociais e étnico-raciais, busca trabalhar os temas e diferentes métodos, através de palestras, dinâmicas, filmes, teatro e seminários em grupo. O diálogo constante com a comunidade permite aos educadores reelaborarem o enfoque dado aos temas e atualizarem informações com interação com as disciplinas tradicionais. Os cursinhos e os demais núcleos de base cumprem o papel de levar para a sala de aula e para parcela da população da periferia a oportunidade de aprofundar temas próprios de sua realidade e provocar ações que visem à mudança. Brota ali a teoria socialista, a partir da luta concreta da juventude, dos negros, mulheres, desempregados, de toda a classe trabalhadora reunida em nosso pequeno quilombo local.

Outra forma de combater o capital através do debate étnico-racial é a defesa da implementação de ações afirmativas e cotas, em todos os espaços sociais e de poder, principalmente nas universidades. Esse trabalho se estende à luta pela efetivação da Lei 10639/03, alterada pela 11645/08, que instituem a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas brasileiras. Um futuro justo e igualitário depende em muito do olhar e da sensibilidade dirigida às injustiças históricas.

A força necessária para a derrota ao sistema hegemônico será alcançada na medida em que as diferentes frentes de mobilização social estiverem unidas. Daí a importância em valorizar as bandeiras específicas de luta. Caio Prado Jr., em sua obra “A revolução brasileira” traça uma análise dessa necessidade: “[...] a diversidade da realidade brasileira, assim como os aspectos culturais, de modo geral, não são considerados pela esquerda brasileira. Esse desconhecimento cria obstáculos para a unificação das forças, na medida em que o discurso da vanguarda revolucionária não sensibiliza outros grupos subalternos, e que, com isso, não criam uma base social hegemônica[...]” (PRADO, 1972, p. 20).

Quanto a luta do povo negro, A UNEafro recupera alguns lutadores e teóricos entre eles Clóvis Moura, na afirmação de que a revolução virá a partir do comando da classe majoritária, pobre e duplamente oprimida, social e racialmente. E quando por fim, os setores mais explorados, encabeçados pelas/os negras/os levantarem a bandeira do socialismo, o triunfo estará próximo.

Essa é a esperança: ao reviver na prática cotidiana o exemplo revolucionário da República Comunista de Palmares, construir um país independente, justo e humanizado, onde não mais haja espaço para o racismo.

Axé.

Referencias Bibliográficas
______Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 após a abolição – Diretoria de Estudos Sociais – IPEA 13/05/08
Freyre, Golberto. Casa Grande e Senzala. RJ. 1988
Moura, Clóvis. Sociologia do Negro Brasileiro. SP 1988

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Quem és tu ?

Quem és tú? 

Qual a origem de vossa família? 

És herdeiro? De quê? 

O que comes? Bem? De tudo? 

E teus lazeres. Dos melhores? 

Fazes usufruto do que produz? 

Tu e os teus, tens acesso ao que constróem? 

Tua pele tem especial proteção solar? 

Ou teus olhos sujeitos à dor diante da luz? 

Teu cabelo lhe protege mais o couro que as orelhas? 

Teu sotaque arrasta a origem? 

A riqueza de sua terra fez de tu herdeiro de dádivas? 

Quem és tú?



por Douglas Belchior

Eva Negra

por Douglas Belchior

Imaginando ser verdade tudo o que nos foi ensinado,

de acordo com as crenças cristãs... 

Deus criou, durante os seis primeiros dias da eternidade,

As coisas mais belas. 

Sendo assim, não tenho dúvidas:

Eva, criação de Deus - (e não da costela de nós homens) era negra

Filha da mãe África. 

Negra !!! 

Parabéns à todas, imagem e semelhança de nossa primeira.